Monday, March 7, 2011

Blade Runner

Escrito por David Peoples e Hampton Fancher e dirigido por Ridley Scott, Blade Runner foi lançado em 1982 e teve recepção fria tanto por parte da crítica quanto do público.


Bom, falar bem sobre Blade Runner é chover no molhado, e assim como Neuromancer (livro lançado dois anos depois de BR e como disse o próprio autor, quase o fez desistir de escrevê-lo) e Ghost in the Shell, BR seria, seguindo à risca a linha do tempo, a primeira jóia real do cyberpunk.

A história em poucas palavras: o policial Deckard é designado para caçar e eliminar 6 replicantes que fugiram de uma colônia Off-World. Os replicantes são seres artificiais equivalentes ou superiores em habilidades físicas a um ser humano e por esse motivo são usados em trabalhos considerados perigosos para uma pessoa normal.
A rebelião dos replicantes modelo Nexus-6 dá o estopim para o início da história e seguimos Deckard em sua caçada.

Blade Runner teve recepção fria em seu lançamento e com os anos acabou se tornando cult. Com um orçamento de 28 milhões de dólares, BR apenas empatou seu custo de produção e foi um dos muitos filmes de sua década que foi vezes incontáveis pirateado (outro belo exemplo disso seria a animação Heavy Metal) e nunca teve lançamento oficial em vídeo até 1992, quando a Warner lançou uma edição "director's cut" (sem grande envolvimento de Scott) em LaserDisc.
Não seria até o ano de 2007 que foi lançado a sua versão definitiva para comemorar os 25 anos, chamada de "Final Cut", com controle total de Scott sobre o produto, algo que ele não teve durante a produção por conflitos com o estúdio e os investidores do filme, apesar de ter tido grande sucesso com o primeiro Alien em 1979.
Bom, o lançamento de Final Cut em 2007 e as subsequentes edições em DVD e Blu-Ray documentam extraordinariamente bem todos os processos da produção. Para os fanáticos, é obrigatório, um documento que "apenas" engrandece o filme.
Outro documento interessante é o livro Future Noir, que é considerada a Bíblia do filme, analisando-o da forma mais profunda possível.

Assim como fiz com Neuromancer, tentarei fazer uma análise dos temas e elementos que considero mais interessantes de BR.

                                               Temas e Elementos

Protagonista

Deckard é o protagonista de BR, o anti-herói, o policial durão em um mundo neo-noir, filho dos detetives da ficção hardboiled dos anos 40 e pai de Case de Neuromancer por que não?.
Deckard é cínico, frio e sarcástico, bruto e arrogante e a atuação de Harrison Ford (recém-saído dos sucessos de Star Wars e Caçadores da Arca Perdida) é impecável, e talvez as brigas do ator com o seu diretor durante a produção podem até ter ajudado na composição do personagem. Ford não é o melhor ator de todos os tempos, mas a sua presença e carisma já valem o filme e suas interações com praticamente todos os outros personagens são todas memoráveis, sem exceção.
Deckard é o personagem principal da trama e acompanhamos a sua caçada pelos replicantes em uma Los Angeles do ano 2019, o que nos leva ao segundo aspecto a ser analisado.

Futuro-Noir

Noir = adjetivo Francês - "preto". 

Os filmes noir tiveram a sua época de ouro entre as décadas de 40 e 50 e o termo foi usado para descrever os filmes de drama que tinham como tema o mundo da criminalidade e a sua mais marcante característica era o uso proeminente da cinematografia escura, com jogo de sombras, luzes e muita fumaça, do ambiente ou dos cigarros de seus personagens.
Um dos grandes representantes do gênero é o filme Relíquia Macabra (The Maltese Falcon), de 1941, estrelado por Humphrey Bogart e dirigido por John Huston, facilmente encontrável em lojas. Ou para download.
Entender o gênero noir é um passo para entender uma das propostas de Blade Runner e acima dele, o próprio gênero cyberpunk, que emprestou do noir a sua própria essência.
Em BR, o termo futuro-noir praticamente se explica por si mesmo.
Se você ainda não assistiu o filme com certeza já tem uma noção do significado do termo e se você já o viu, reconhece e lembra rapidamente dos elementos desse futuro-noir, tamanha a iconografia e a então originalidade dele (apesar de Ridley Scott e seus colaboradores terem "emprestado" os designs da revista francesa Métal Hurlant e da história The Long Tomorrow, escrita por Dan O'Bannon e desenhada por Moebius).
A Los Angeles de BR é praticamente um personagem por si própria, decadente, lavada por chuva ácida, suja e dominada por megacorporações, super populada e tudo de ruim que o nosso mundo parece estar caminhando para se tornar.
A chuva, a fumaça, a poluição e o avanço dos conglomerados industriais são elementos visíveis que se destacam logo na primeira cena, através da chamada "Paisagem de Hades" (Hades Landscape), como que um inferno na Terra, o rumo que parece ser o nosso próprio futuro.
Outros elementos também se destacam dentro desse futuro-noir, como os gigantescos prédios e a publicidade excessiva no topo dos arranha-céus, algo que a produção importou da HQ The Long Tomorrow, mas desenvolvida tão distintivamente que é impossível não pensar que BR não o fez primeiro.

É interessante pensar também nas colônias Off-World, as colônias terrestres em outros planetas, anunciadas através de publicidades durante a primeira metade do filme mas nunca realmente mostradas. E acredito que nem seria necessário, pois é através da rebelião dos replicantes e algumas falas que descobrimos que essas colônias não são realmente o paraíso que as propagandas tentam vender. A última fala do "vilão" principal, o líder dos replicantes, Roy Batty, não apenas cimenta tal sugestão, mas também traz outras implicações para o filme, em um nível mais filosófico.

Filosofia

Deckard é um excelente protagonista e figura de uma das maiores discussões de BR, que é a polêmica "Seria Deckard um replicante", mas Roy Batty é o motivo do filme, o "vilão" incompreendido, e não seria errado considerá-lo um anti ou até mesmo o verdadeiro herói do filme.
A busca de Batty por respostas a respeito de si mesmo refletem uma busca por identidade e uma não-conformidade por sua existência. A sua rebelião e fuga do trabalho escravo que lhe foi imposto (o motivo de sua existência, ou melhor, criação) e a sua jornada (jornada do heroi) por respostas acabam que refletindo a nossa própria jornada pelas nossas vidas.
Batty quer mais vida e seu encontro com o seu criador, o seu Deus, termina com a morte do último. Tomando uma abordagem Nietzschniana, Batty poderia ser considerado o Super-Homem, o übermensch. Com a morte de Deus, o übermensch Batty poderia ser o exemplo de não um novo Deus, mas o próximo passo na evolução humana. Antes mesmo da morte de Tyrell, Batty como esse novo super-homem, um super-humano, supera em todos os aspectos o seu criador. Talvez a morte do Criador seja um exemplo de falha por parte do próprio Roy, no sentido dele não conseguir superar as suas limitações e transcender a si mesmo.
Além desse aspecto filosófico, há também algumas alegorias religiosas que não me interessam muito, mas são visíveis o suficiente para a audiência percebê-las instantaneamente. A mais clara acontece na parte final, quando Batty enterra um prego em sua própria mão, se tornado uma figura como Cristo, e a presença de uma pomba no momento de sua morte só solidifica tais sugestões.
 
Replicante ou não?

O fato da condição real de Deckard não ser explicitada ou firmamente explicado sempre foi motivo de discussões entre os fãs do filme e até mesmo entre os envolvidos em sua produção.
Como se pode notar nas versões "Director's" e "Final Cut", Ridley Scott deixa bem claro a sua posição em relação a questão. Harrison Ford discorda, assim como os dois roteiristas do filme.
Alguns podem achar não importante uma resposta definitiva, mas ao meu ver, Deckard sendo replicante não nega totalmente mas diminuiu em muito o impacto e no final das contas motivo do sacrifício de Roy Batty no final do filme.
Acredito que o Deckard replicante salvo por outro replicante não tem o mesmo impacto do contrário, o humano sendo salvo por um ser artificial, que demonstra em seus momentos finais o que é realmente ser humano.
Como diria o mote da Corporação Tyrell, "mais humano do que humano".
E no final das contas, Deckard acaba fugindo com outra replicante, Rachel, e penso que esse relacionamento amoroso entre humano e replicante é muito mais relevante para a história se fosse ao contrário; assim como Batty, Rachel ajudará Deckard, no sentido de lhe devolver a sua humanidade.

Além dos temas mencionados acima, Blade Runner possui muitos outros, pequenos ou grandes em importância, mas esses são os que mais se destacam para mim, e o mais importante e o tema principal do filme com certeza é a questão de identidade e a natureza do que é ser humano.

Para deixar o post um pouco mais leve, segue algumas curiosidades acerca do filme:

- Um excelente site que merece ser visitado é o de Douglas Trumbull, um dos responsáveis pelos efeitos especiais de BR. O site é o DouglasTrumbull.com. Já vale pelo making of da cena de abertura;

- Na realização de Batman Begins, o diretor Christopher Nolan exibiu Blade Runner para a sua equipe antes das filmagens para mostrar como ele queria o clima do reboot;

- BR foi adaptado do livro "Do Androids Dream of Electric Sheep?" de Phillip K. Dick e apesar do livro estar esgotado no Brasil, vale correr atrás, pois esse pode ser considerado um caso em que uma mídia completa a outra;

- Em 1997 foi lançado um game para PC de mesmo nome. Adotando o estilo point n' click, o jogo corre paralelo aos eventos do filme e merece ser conferido, com todas as características o filme transmitidas excelentemente para o jogo;

- Em 1999 uma produção Canadense chamada Total Recall 2070 foi produzida e é baseada tanto no "Do Androids" quanto em outra obra de Dick, "We Can Remember It for You Wholesale", que por sua vez foi a base para o filme O Vingador do Futuro. Essa série espero conseguir assistir em breve.

- Uma das muitas versões do filme (presente na edição de 2007) contém narração, que foi gravada por exigência do estúdio, pelo motivo de explicar literalmente para a audiência os acontecimentos do filme.

- As cenas da geisha que passam em um telão em um prédio é uma propaganda para a pílula do dia seguinte;

- Foi anunciado a obtenção dos direitos da franquia pela empresa Alcon, que pretende explorá-la através de séries de tv, prelúdios e sequências do filme. Um dos diretores já procurados foi Christopher Nolan. O que acontecerá com a franquia é difícil de se imaginar, mas pelo menos os direitos não incluem um eventual remake de BR.

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